terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Desobediência Civil é um Instrumento para garantir a Democracia e os Direitos do povo.

É consenso entre os juristas o reconhecimento de que em nosso ordenamento jurídico existe uma infinidade de leis que são letras mortas, obsoletas, que não ensejam o ideal de justiça e que inviabilizam os direitos sociais garantidos aos cidadãos. Nota-se, também, em nossa sociedade, a busca por meios que sirvam para opor resistência e controlar os atos arbitrários da autoridade constituída e práticas governamentais que extrapolam os limites de suas prerrogativas e acabam entrando na esfera dos direitos sociais, quase sempre restringindo-os.
Tendo a concepção do Direito como um mecanismo de mudança social, que deve acompanhar a evolução da sociedade, objetivando saciar os anseios de justiça, gerar a paz social e garantir direitos, quis encontrar em nosso universo jurídico algum instituto que legitimasse a resistência dos cidadãos contra as leis injustas, atos arbitrários e práticas governamentais que não reflitam o interesse da sociedade.
No decorrer desta busca deparei-me com o direito à Desobediência Civil, um meio que permite ao indivíduo e à sociedade intervirem diretamente nas instituições públicas. Um método que permite defender todo o direito que se encontra ameaçado ou violado, uma forma de pressão legítima, de protesto, de rebeldia contra as leis, atos ou decisões que ponham em risco os direitos civis, políticos ou sociais do indivíduo.
Ao iniciar a pesquisa sobre o tema, surgiram vários questionamentos sobre a concepção da ideia de Desobediência Civil, suas características, seus fundamentos e suas manifestações.
No desenvolvimento desse artigo abordarei esses aspectos, de forma que ao final do mesmo possamos considerar a Desobediência Civil como um mecanismo capaz de suscitar leis mais legítimas e justas, enfim, um instituto de que o cidadão dispõe para garantir seus direitos e controlar os atos do Estado para que este não extrapole suas prerrogativas e cumpra com a sua função social.
Capitulo I:—

1 - DESOBEDIÊNCIA CIVIL.
1.1 – Surgimento Histórico do Direito à Desobediência Civil.
É comum ver presente em alguns momentos históricos, como nas campanhas promovidas por Thoreau, Gandhi, Luther King, Antônio Conselheiro etc., um claro sentimento de apoio a determinadas ações contrárias à lei, ante a necessidade de preservação da justiça e concretização de direitos.
Uma dessas ações contrárias à lei é a desobediência civil. Esta é um meio que visa aprimorar a democracia ao permitir que os indivíduos, as minorias e, mesmo, as maiorias oprimidas, participassem diretamente do processo político. Constituía a tática adequada na defesa dos direitos da cidadania, pois aplicava-se em todos os domínios – político, econômico e social – exprimindo protesto contra os abusos do Estado.

É um ato ilegal que se justifica por dois motivos: 1) é um instituto da cidadania, pois tem como finalidade manter, proteger ou adquirir um direito negado; 2) é fundamentado pelos princípios de justiça e eqüidade.

A cidadania de que falamos não é uma cidadania que se apresenta de forma passiva. Referimo-nos, aqui, a uma cidadania real, prática, chamada de cidadania ativa, defendida por Maria Victória Benevides. Ela se define por ser criativa e exigente, pois, além das exigências feitas ao Estado e a outras instituições, reclama a criação de espaços públicos para que os cidadãos possam participar diretamente das ações sociais, se fazendo agente ativo no cenário político, social e civil. Como exemplo desses espaços públicos, podemos citar os movimentos populares, sindicais e sociais.

Capitulo II:—

2. Conceitos sobre a Desobediência Civil:
2.1 – Segundo Henry David Thoreau.

A obediência às leis e práticas governamentais dependia da avaliação individual, que devia negar a autoridade do governo quando este tivesse caráter injusto. Não importava que fosse expressão da vontade da maioria, pois esta nem sempre agia da melhor forma possível. A desobediência resultava dos direitos essenciais do cidadão sobre o Estado, que a empregaria sempre que o governo extrapolasse suas prerrogativas ou não correspondesse às expectativas geradas.
Thoreau justificava a desobediência como o único comportamento aceitável para os homens, quando se deparassem com legislação e práticas governamentais que não procurassem agir pelos critérios da justiça ou contrariassem os princípios morais dos indivíduos.
Dizia que o homem possui um compromisso com a sua consciência, ao expor, em seu livro, as seguintes palavras:“Será que o cidadão deve desistir de sua consciência, mesmo por um único instante ou em última instância, e se dobrar ao legislador? Por que então estará cada pessoa dotada de uma consciência? Em minha opinião, devemos ser primeiramente homens, e só posteriormente súditos. Cultivar o respeito às leis não é desejável no mesmo plano do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir é fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo”. (THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002, Pág. 15.)
Thoreau dizia que os homens que serviam ao Estado de forma consciente, de forma crítica e não maquinalmente, eram tidos como inimigos e não como homens bons e, dessa forma, classificou os tipos de homens que servem ao Estado; vejamos como o referido autor trata o tema em sua obra: “Nesse contexto, a massa de homens serve ao Estado não na sua qualidade de homens mas sim como máquinas, entregando os seus corpos.(...) Na maioria das vezes não há qualquer livre exercício de escolha ou de avaliação moral.(...) é comum, no entanto, que os homens assim sejam apreciados como bons cidadãos. Há outros, tal qual a maioria dos legisladores, políticos, advogados, funcionários e dirigentes, que servem ao Estado principalmente com a cabeça, sendo bastante provável que eles sirvam tanto ao Diabo quanto a Deus - sem intenção -, já que raramente se dispõem a fazer distinções morais. Uma quantidade bastante reduzida há que serve ao Estado também com sua consciência: são os heróis, patriotas, mártires”, reformadores e homens, que acabam por isso necessariamente resistindo, mais do que servindo. Conquanto isso, o Estado os trata geralmente como inimigos.” (THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002, Pág. 16-17.)

Capitulo III:—

2.2 – Segundo Hannah Arendt.
A desobediência civil aparece quando um número significativo de cidadãos se convence de que, ou os canais para as mudanças não funcionam, e as queixas não serão ouvidas nem terão qualquer efeito, ou então, pelo contrário, o governo está em vias de efetuar mudanças e se envolve e persiste em modos de agir cuja legalidade e constitucionalidade estão expostas a graves dúvidas.
Hannah Arendt defende o estabelecimento da desobediência civil entre as instituições políticas por ser o melhor remédio possível para a falha básica da revisão judicial. Defende a opinião de que a não-violência é uma característica específica da desobediência civil que a distingui das outras formas de resistência de grupo, como a revolução ou a guerrilha.

Capitulo IV
2.3 - Segundo Maria Garcia.
Segundo Maria Garcia, a desobediência civil pode ser classificada como um direito fundamental, pois está diretamente ligada à concretização da cidadania. Constrói a justificativa da desobediência, baseada na idéia de que a cidadania requer instrumentalização ampla e efetiva; portanto, o seu exercício não se exime de direitos e garantias expressamente expostos na Constituição. Reforça a classificação da desobediência civil como um direito fundamental, ao citar o art. 1º § da CF/88 onde diz que “Todo poder emana do povo”. Diante deste dispositivo constitucional, defende a idéia de que o cidadão detém a soberania popular e, portanto, o poder de elaborar a lei e de participar da tomada de decisão, a respeito do seu próprio destino. Avança ainda mais em sua tese, ao dizer que o cidadão, por conta desse dispositivo constitucional, tem a prerrogativa de deixar de cumprir a lei ou de obedecer a qualquer ato da autoridade sempre que referidos atos se mostrem conflitantes com a ordem constitucional, direitos ou garantia constitucionalmente assegurados.

Capitulo V:—

3. Manifestações da Desobediência Civil.
3.1 – Henry David Thoreau.
Como manifestações da desobediência civil, podemos destacar a negação de Henry David Thoreau de cumprir as suas obrigações tributárias. Ele desobedeceu à lei de seu Estado com o firme propósito de preservar a paz, pois o imposto que se recusou a pagar era destinado a financiar a guerra contra o México.
Thoreau sempre se colocou contrário à guerra do México e à escravidão nos Estados Unidos. Para Thoreau, era moralmente inaceitável contribuir com um governo escravocrata e que semeava a injustiça contra os seus vizinhos.
O sábio de Concord pregava que o Estado corrompia e desvirtuava até o homem mais bem intencionado que a ele se submetia, quando o obrigava a servir ao exército e a financiar guerras através de seus impostos.
Thoreau, com suas idéias, valorizou o homem, colocando-o em um patamar acima do Estado, destacando-o como um homem dotado de consciência e moral e não como um súdito cego que tem como princípio a obediência incondicional ao Estado.


Por conta de sua desobediência, Thoreau foi preso e, na prisão, fez diversas considerações sobre a atitude do Estado por tê-lo prendido; no seu livro “A Desobediência Civil”, Thoreau refletia: “Não pude deixar de sorrir perante os cuidados com que fecharam a porta e imaginaram trancar as minhas reflexões – que os acompanhavam porta afora sem delongas ou dificuldade. De fato, o perigo estava contido nessas reflexões. Já que eu estava fora de seu alcance, resolveram punir o meu corpo. Agiram como crianças incapazes de enfrentar uma pessoa de quem sentem raiva e por isso dão um chute no cachorro do seu desafeto. Percebi que o Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com sua prataria, incapaz de distinguir seus amigos dos inimigos. Todo respeito que tinha pelo Estado foi perdido e passei a considera-lo apenas uma lamentável instituição”.(THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002, Pág. 30.)

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