CAPITULO II
II. O SOCIALISMO
"DA UTOPIA À CIÊNCIA".
— Lá pelo fim da
década de 1830, começou a 1198 SOCIALISMO ser usado pelos críticos do Socialismo
a qualificação de "utopistas" para designar os socialistas (a aproximação
entre "Socialismo" e "utopismo" foi feita provavelmente
pela primeira vez em 1839, na História da economia política do economista
liberal francês J. A. Blanqui). Mas foram Marx e Engels que estabeleceram no
Manifesto (e depois em vários outros lugares, entre os quais destacamos
especialmente os capítulos do Antidühring de Engels refundidos no pequeno
volume A evolução do socialismo da utopia à ciência, 1888) a distinção entre socialismo
"utópico" e socialismo "científico" a que se refere depois continuamente
a tradição marxista. Enquanto a crítica do Manifesto é muito severa em relação
ao Socialismo "reacionário" dos críticos do industrialismo que
idealizavam a situação histórica anterior, do "verdadeiro" Socialismo
filosófico alemão e do Socialismo "burguês" de Proudhon por causa do seu
reformismo, Marx e Engels reconheceram a função positiva desempenhada pelo
"Socialismo e comunismo crítico-utópico", especialmente pelo de Saint-Simon,
Fourier e Owen, na identificação das contradições fundamentais da sociedade
industrial e na delineação do futuro ordenamento social (eliminação do
contraste entre cidade e campo, abolição da família junto com a propriedade
privada, transformação do Estado em simples órgão de administração da produção,
unificação da instrução e do trabalho produtivo, etc).
Consideraram,
porém, suas tentativas parciais e imaturas em relação ao fraco desenvolvimento
do proletariado industrial e às lutas de classe, motivo pelo qual este tipo de
Socialismo acabou por construir "sistemas" e "seitas" que
"não descobrem no proletariado
nenhuma função histórica autônoma, nenhum movimento político que lhe seja
próprio". O caráter científico da nova teoria socialista de Marx e Engels
consiste, segundo os seus autores: a) no fato de que o Socialismo, de programa
racionalístico de reconstrução da sociedade que se dirige indistintamente à sua
parte intelectualmente esclarecida, se transforma em programa de
autoemancipação do proletariado, como sujeito histórico da tendência objetiva
para a solução comunista das contradições econômico-sociais do capitalismo (em particular
da contradição entre propriedade privada e crescente socialização dos meios e
dos processos produtivos): neste sentido o Socialismo pretende ser "ciência"
da revolução proletária; b) no fato de que o Socialismo não se apresenta mais
como um "ideal", mas como uma necessidade histórica derivante do inevitável
declínio do modo capitalista de produção, que se anuncia objetivamente nas
crises cada vez mais agudas que ele enfrenta; c) no fato de que o Socialismo
usa agora um "método científico" de análise da sociedade e da
história, que tem seus pontos fortes no "materialismo histórico", com
a teoria da sucessão histórica dos modos de produção, e na "crítica da economia
política", com a teoria da mais-valia como forma específica da exploração
na situação do capitalismo industrial. São aspectos conexos, mas parcialmente
diferentes.
Enquanto até a
metade do século XIX. nas obras de Marx e Engels, se dá maior ênfase à história
como tecido de lutas de classe e à identificação do proletariado como classe
autonomamente revolucionária, os aspectos referentes à necessidade
objetiva do
desenvolvimento econômico só foram ressaltados de modo particular após o
fracasso da revolução de 1848, quando, contra as impaciências revolucionárias
ainda sobreviventes, Marx insistiu no axioma de que "uma formação social
não perece enquanto não se tenham desenvolvido todas as forças produtivas a que
pode dar origem" (prefácio de 1859 à obra Para a crítica da economia
política). A imagem do Marx cientista e antiutopista, investigador das contradições
e da ruína inevitável do sistema capitalista, tornou-se corrente no Socialismo
da Segunda Internacional, especialmente na obra de elaboração e de construção
sistemática do marxismo realizada por K. Kautsky e pelo centro
"ortodoxo" do partido social-democrático alemão; mas já no esforço de
Marx e Engels por transformá-lo em ciência e em suprimir-lhe o conteúdo utópico
e ético, o Socialismo, ao mesmo tempo que se substanciava de concreção histórica
e econômica, perdia parcialmente a dimensão de "projetualidade", não
garantida pelo curso das coisas, acerca do ordenamento futuro da sociedade.
Marx entendeu fundamentalmente
a sua análise como "crítica científica" do modo de produção
burguêscapitalista, recusando-se a formular "receitas para a cozinha do
futuro" (Pós-escrito de 1873 ao primeiro livro de O capital). Deu
indicações precisas apenas sobre um ponto: a passagem do ordenamento baseado na
propriedade privada à sociedade comunista se configuraria, após a tomada do
poder por parte do proletariado, como um período de transição caracterizado, no
plano político, pela "ditadura do proletariado" e, no plano econômico,
pela sobrevivência parcial da forma mercatória dos produtos e do trabalho, com
a relativa repartição da renda segundo as quantidades desiguais de trabalho; numa
segunda fase, com a completa extinção da divisão das classes e da forma
mercatória, todo o domínio político desapareceria na sansiomoniana "administração
das coisas" e a repartição do produto social se realizaria segundo as
"necessidades" (Escritos SOCIALISMO 1199 sobre a Comuna, 1871, e
Crítica do Programa de Gotha, 1875). O ponto teórico que mantém unidas a crítica
do Estado e a do modo capitalista de produção é, em Marx, o fato de que a abolição
do trabalho assalariado exige a apropriação e o controle "direto", por
parte dos produtores, das condições de trabalho e
de todo o
aparelho que regula a reprodução social.
Aquilo a que
Marx chamou "fases" da sociedade comunista, a tradição marxista
denominou-o depois "Socialismo" e "comunismo", dando ao
Socialismo o significado de sociedade transitória a caminho de um modo de
produção integralmente comunista.
A formação de um
movimento político da classe operária que se organiza com vistas à gestão do Estado
e à direção central da economia (deixando a questão de como chegar a este resultado,
por via pacífica ou revolucionária, às circunstâncias históricas concretas) foi
o motivo principal da divergência e da luta furiosa suscitadas no seio da
Primeira Internacional entre o Socialismo de Marx e Engels e o anarquismo em
suas várias formas. No período da formação dos partidos socialistas nos últimos
decênios do século XIX, o ponto de vista do Socialismo marxista pareceu já
majoritário e consolidado, tanto que o "Socialismo libertário" de
matriz anárquica foi explicitamente excluído da Segunda Internacional, em 1896.