Deputado ruralista se choca com trabalho escravo no
Pará.
Ao acompanhar
libertação de trabalho escravo contemporâneo no Sudeste do Pará, Giovanni
Queiroz (PDT/PA) admite: "Nunca vi nada tão ridículo".
Por Bianca Pyl - Reporter Brasil
"Pensei que não existisse mais isso no
Brasil". Vinda do deputado federal Giovanni Queiroz (PDT/PA)
- integrante da bancada ruralista, que costuma contestar a existência de
trabalho escravo contemporâneo no país -, a declaração relativa à situação
enfrentada por oito vítimas desta forma de exploração desumana no Sudeste do
Pará ganha em consistência.
Junto com seus pares Cláudio Puty (PT/PA),
Walter Feldman (PSDB/SP) e Ivan Valente (PSol/SP), respectivamente presidente,
relator e membro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho
Escravo aberta no Congresso Nacional, o congressista acompanhou operação
do grupo móvel de fiscalização e combate ao trabalho escravo realizada semana
passada.
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Grupo de trabalhadores estava alojado em barracos de lona e não
recebia salários (Fotos: MTE)
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O grupo foi resgatado na execução do
chamado "roço de juquira" (abertura para a expansão da pastagem para
atividade pecuária) da Fazenda Alô Brasil, que pertence a Luís Batista Mariano,
localizada em Rio Preto, zona rural do município de Marabá (PA). A
propriedade tem cerca de 500 alqueires (em torno de 1,2 mil hectares), com
aproximadamente 800 cabeças de gado.
Composta também por integrantes do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia
Federal (PF), a fiscalização encontrou trabalhadores em condições degradantes
(alojados em barracos precários de lona e terra de chão batido, sem acesso à
água potável, à alimentação adequada e à banheiro), sob isolamento
geográfico, sem receber salários há dois meses, submetidos tanto à
servidão por dívida e como a jornadas exaustivas do início da manhã até o
anoitecer.
"Vimos uma situação vergonhosa,
constrangedora. Nunca vi nada tão ridículo", descreveu o ruralista
Giovanni Queiroz. De acordo com ele, o proprietário não tinha
"nenhuma desculpa" para tratar os empregados de
tal maneira, pois a fazenda era de meio porte, inclusive com "curral
bem feito".
Quadro
Foram cinco horas de estrada de terra até a
fiscalização alcançar a fazenda. "O local é de difícil acesso e o povoado
mais próximo fica a 30 quilômetros da fazenda", salientou Ivan
Valente, outro parlamentar que esteve na operação, enfatizando o grau de
dificuldade de acesso ao local.
Os regatados foram atraídos pela
promessa de ganhar R$ 130 por alqueire convertido em pasto - o
que, em média, levaria 15 dias. Contudo, o empregador não cumpriu a
promessa. Há cerca de dois meses no local, tinham sido contemplados apenas
com pequenos adiantamentos, que posteriormente seriam descontados de seus
vencimentos. Sem salários, eles viam que dificultava ainda mais
o deslocamento da Fazenda Alô Brasil.
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Água usada era a mesma disponível ao gado; não havia sanitários e
alimentação era escassa
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A água consumida pelos resgatados - para tomar
banho, matar a sede e cozinhar - era a mesma consumida pelo gado. As
vítimas dormiam em barracas de lona abertas, sem nenhuma proteção. "Na
região, o calor é intenso e, durante a noite, é muito frio. Os
trabalhadores estavam expostos, ao relento", completou o experiente
deputado do PSol.
Somente o vaqueiro dormia em um cômodo de
alvenaria. Contudo, o local servia de depósito para agrotóxicos
e combustível, entre outras coisas, e também estava em péssimas condições.
Não havia instalações sanitárias no local, o que obrigava os
empregados a utilizar o mato como banheiro.
A
alimentação era preparada por um dos trabalhadores, que recebia um adiantamento
e comprava a comida, que era escassa. A carne consumida pelos trabalhadores
estava estragada, com moscas.
A
jornada de trabalho era extensa, iniciando por volta das 6h30 até
o anoitecer, de segunda à sábado. Aos domingos, os trabalhadores
costumavam pescar para tentar compensarr a falta de comida à disposição. Por
conta da distância e da falta de dinheiro, não saíam da propriedade.
Os auditores fiscais encontraram cadernos com
anotações de dívidas referentes à compra de fumo, botas e sabonetes, entre
outros itens. Ninguém tinha a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)
preenchida. Conjuntos completos de Equipamentos de Proteção Indivual
(EPIs) não eram fornecidos.
De
acordo com o auditor fiscal Benedito de Lima e Silva Filho, coordenador da
fiscalização, foram lavrados 12 autos de infração contra o empregador, que
pagou as verbas rescisórias no total de R$ 25 mil.
Representado
pelo procurador do trabalho Allan de Miranda Bruno na fiscalização, o MPT
firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com os responsáveis pela área que
prevê indenização de R$ 30 mil por danos morais coletivos e outros R$ 10
mil por danos morais individuais.
Comissão
Na visão de Benedito, a participação
de congressistas na fiscalização ajuda a desmistificar as ações
empreendidas contra esse tipo de crime. "Eu achei de suma importância a
participação dos deputados nesta operação. Ao longo do tempo, quem não
acompanha o combate ao trabalho escravo tende a não compreender a situação que
relatamos. Alguns acham até que o grupo móvel exagera. Mas, nesta ocasião, os
parlamentares puderam ver que os relatórios correspondem à
realidade", avaliou Benedito, que tem mais de dez anos de experiência no
combate ao trabalho escravo.
Para
Ivan Valente, a presença de um integrante da bancada ruralista (Giovanni
Queiroz) foi muito positiva para conferir in loco a situação em que brasileiras e brasileiros
ainda vivem, que é a de "incontestável" escravidão contemporânea,
"uma fotografia real do trabalho escravo".
O
presidente da CPI, Cláudio Puty informou que apresentará proposta na próxima
reunião administrativa da comissão, marcada para a próxima quarta-feira
(05/09), solicitando que os proprietários autuados nas últimas fiscalizações
rurais, incluindo Luís Batista Mariano, da Fazenda Alô Brasil, sejam convocados
para prestar depoimentos aos parlamentares.